O eclipse, a Nasa e a nossa alma colonizada

A verdade é que a agência norte-americana só vai poder transmitir o eclipse total graças ao núcleo de Astronomia do Cariri e à nossa localização privilegiada

Legenda: Simulação do eclipse solar parcial em Fortaleza. Composição de uma imagem real do Sol com a silhueta artificial da Lua
Foto: Elaboração própria

Uma das melhores coisas de ser do Cariri é que a gente parece um pouco menos suscetível ao mau hábito brasileiro de achar que tudo que é de fora é sempre melhor. Atribuo essa dádiva ao orgulho que temos da nossa história regional, da nossa cultura, da nossa biodiversidade. Seja o reisado do mestre Aldenir, seja a primeira Floresta Nacional do país, ser do miolo do Sertão conforta numa sociedade tão babona da Gringa.

Veja também

Mas parece que outras partes do país sofrem de uma versão piorada do chamado de vira-latismo, termo que, pensando bem, prefiro abolir, afinal os cães sem raça definida estão entre as melhores criaturas do Brasil: lindos, inteligentes, dóceis. Chamo esse tipo de atitude de mente colonizada mesmo.

A última vítima desse fenômeno psicossocial coletivo foi o Núcleo de Astronomia do Instituto Federal do Ceará em Juazeiro do Norte. Os equipamentos e os profissionais são brasileiros, todos pagos com dinheiro do contribuinte. Porém, não se sabe como, resolveram dizer que a Agência Espacial dos EUA (a Nasa, na sigla em inglês) montaria equipamentos para acompanhar o eclipse solar no Cariri. 

A verdade é que a Nasa só vai poder transmitir o eclipse total graças ao núcleo de Astronomia do Cariri e à nossa localização privilegiada. Ou seja, se não houvesse o campus do IFCE em Juazeiro do Norte, talvez os pesquisadores dos EUA buscassem outra forma, com alguma outra instituição, provavelmente pública.

E aí, como a gente costuma dizer, haja Zé para explicar que isso não era aquilo. Houve gente que ficou tão encafifada com a informação de que a Nasa estaria aqui que simplesmente acreditou em algo que poucos acreditam: ver dinheiro dos EUA investido em países como o Brasil.

Por outro lado, graças a essa informação falsa, a de que a Nasa montaria equipamentos aqui, o eclipse, que andava tendo uma cobertura jornalística já bastante agitada, acabou ganhando uma relevância estratosférica, escusado o trocadilho. Por quê? Porque somos dependentes da chancela do dito Primeiro Mundo. Nós, aqui no Cariri, menos, mas somos todos, sim. E isso denuncia nossa alma colonizada.

Porém, venho, por meio desta, dizer que aqui não chegou dinheiro nenhum da NASA, sequer equipamento. Os professores do IFCE, inclusive, ficaram chateados com a notícia falsa. Como bom cearense, aderi à pilhéria usando um ditado bem sertanejo: dinheiro da NASA é que nem pé de cobra, quem vê morre.

Nasa, aqui no Cariri, é o apelido do volante Gesiel José de Lima, ex-Icasa, ex-Guarani, ex-Vasco - hoje um empresário que investe em Juazeiro do Norte. No Nasa, sim, eu dou o maior valor. Já sobre a Nasa não tenho notícia.