Mayara Abreu: 'Sou mãe solteira e quilombola e tento criar minha filha com a força que fui criada'

Nascida em uma comunidade quilombola a três horas de Belém, Mayara tenta equilibrar os ofícios de jornalista e mãe na capital do Pará. Neste mês de maio, mães de diferentes locais do Norte e Nordeste contam suas experiências com a maternidade

Legenda: Mayara trabalhou até o 8º mês de gestação. Nesta época, voltou à comunidade para dar à luz Maria Sol no seu território.
Foto: Arquivo pessoal

Mayara Pinto Abreu, de 28 anos, cresceu vendo as mulheres à sua volta como fortalezas. Na comunidade quilombola Rio Ipanema, em Abaetetuba - uma ilha a três horas de Belém do Pará -, viu a avó pegar camarão no igarapé e colher açaí para criar filhos, netos e pessoas da comunidade que a família acolhia na sua casa grande. Também testemunhou sua mãe mergulhar no açaizeiro e no serviço em escolas para criá-la sem a presença do pai. De tanto ver as dificuldades atravessarem as mulheres-fortalezas de sua vida, decidiu que teria um futuro diferente. Queria romper o patriarcado e estudar. Não pensava em ter filhos.

"Cresci cercada por mulheres fortes, que me ensinaram a ser quem sou hoje", diz Mayara. Foi com a força das matriarcas que ela embarcou para Belém. Havia passado no vestibular para Jornalismo na universidade federal por uma seleção especial para indígenas e quilombolas, mas, na cidade grande, não encontrou o apoio que necessitava. Com poucos recursos, dividia uma kitnet com outros cinco estudantes, todos na mesma situação que ela. 

"Decidi vir com fé e coragem, mas, chegando aqui, encontrei algo totalmente fora da minha realidade. A universidade parece que não foi feita para nós", lamenta. Ela perseverou. Conseguiu bolsa  e estágio e foi melhorando a vida até a formatura. Logo depois, engravidou. "A maternidade para mim foi algo que não planejei, mas aconteceu", conta.

Foto: Arquivo pessoal

Quando soube da gestação, entrou em desespero. Sentia-se sozinha, sem apoio e pensou algumas vezes em tirar aquele feto. Estava tentando se firmar profissionalmente para desenhar um destino diferente do da mãe e da avó. Como voltaria para a comunidade grávida? "Saí para buscar algo melhor e engravidar naquele momento foi frustrante. Pensava que não tinha valido a pena o meu esforço e me desesperei", lembra.

Mas quando contou aos familiares, veio o apoio que necessitava. O julgamento do qual tinha tanto medo não chegou. E ela viu que um novo futuro poderia ser construído. No ambiente de trabalho (ela atua em organizações quilombolas), também encontrou aconchego e empatia dos colegas.

Mayara trabalhou até o oitavo mês de gestação. Nesta época, voltou à comunidade para dar à luz Maria Sol no seu território. No puerpério, enquanto ainda se entendia como mãe, viu que era possível conciliar a maternidade a grandes feitos como mulher. É que Mayara foi foi eleita presidenta da Associação dos Remanescentes de Quilombo das Ilhas de Abaetetuba, representando sua comunidade. "Sou a primeira mulher presidenta da associação", orgulha-se.

Legenda: Na família e no ambiente de trabalho (ela atua em organizações quilombolas), Mayara encontrou aconchego e empatia
Foto: Arquivo pessoal

Cinco meses depois de parir, ela então foi voltando para Belém aos poucos. Viu-se sem rede de apoio e precisando sair para reassumir seus trabalhos. Na dificuldade, conseguiu a ajuda de uma prima para ficar com Maria Luz enquanto cumpria a jornada fora de casa.

A vida é muito diferente na cidade grande.  "Sou mãe solteira aqui e tento criar minha filha com a mesma força com que fui criada", diz. Maria Luz tem apenas cinco meses, mas já escuta a mãe contar sobre a resistência das mulheres fortes de sua família. "Não preciso de um homem do lado pra conseguir ser feliz. Quero que ela cresça numa sociedade diferente da que cresci", afirma.

Mayara quer criar a filha com a consciência de que pode ocupar o lugar que ela quiser. Ela acredita que é responsabilidade de sua geração uma virada de chave para combater o machismo e o racismo. E se prepara para uma preocupação a mais neste processo: o fato da filha ser uma menina preta. 

Legenda: Maria Sol, filha de Mayara
Foto: Arquivo pessoal

"Sou quilombola de pele clara, mas minha filha é preta. As pessoas ficam todo tempo me perguntando porque ela é preta. Ela tem cinco meses e já sofre preconceito. Vou ter que protegê-la um pouco mais pela cor da pele dela", diz.

Mayara conta que é muito feliz na maternidade, mas se recusa a romantizar o processo. "Sou uma mãe solteira que precisa trabalhar e fazer mil coisas ao mesmo tempo. Não posso falhar. A sociedade joga essa responsabilidade para cima de mim. Além de ser mãe, que é um trabalho muito grande, eu tenho que ser boa em muitas coisas. É muito difícil estar neste lugar", reflete. Para ela, só é possível ser mãe solo graças ao seu empoderamento como mulher.

Ter a Maria Sol do lado, ela diz, é saber que não está sozinha. Mayara encontra no sorriso da filha a força para seguir resistindo. É quando olha para ela que nutre esperança por um futuro melhor. "Olho para a maternidade como um lugar de esperança. Está vindo uma geração forte e potente para transformar o mundo", acredita.