Entenda por que Ceará quase atingiu limite do número de açudes e se é possível barragem em Fortaleza

Cientista-Chefe de Recursos Hídricos analisa possibilidades para o futuro do abastecimento no Estado

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Açudes cearenses passaram marca de 54% e têm melhor nível em 12 anos
Foto: Divulgação/Cogerh

Garantir o futuro do abastecimento de água depende de ações planejadas hoje, principalmente pelo contexto de mudanças climáticas e eventos extremos que o mundo atravessa. Uma das principais medidas utilizadas no Ceará é a reserva acumulada em açudes, cujo primeiro exemplar foi inaugurado há quase 120 anos. Atualmente, porém, a construção de novas barragens já se aproximou do limite de um uso sustentável.

É o que pensa Francisco de Assis de Souza Filho, Cientista-Chefe de Recursos Hídricos da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e professor do Departamento de Engenharia Hidráulica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em conversa com o Diário do Nordeste, ele analisou a complexa rede hoje existente, composta por 157 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh).

Para o especialista, quando questionado se é difícil encontrar novas localidades para a implantação dos reservatórios, “a gente tem como se fosse um limite superior do potencial a ser ativado”. Com a previsão de “mais 5 ou 6 barragens” no Estado - incluindo a Fronteiras, que está sendo construída no sertão de Crateús desde 2018 -, “a gente chegou a ativar praticamente todo o potencial”. 

Construir novas barragens significa, às vezes, tirar água de uma que já existe. A gente já está chegando num ponto, aqui no Ceará, que você já não produz nova água: você só realoca espacialmente e, às vezes, para um lugar menos eficiente do que aquele onde ela está sendo armazenada.
Assis de Souza Filho
Cientista-Chefe de Recursos Hídricos

Hoje, esse limite está em torno de 100 m³/s (metros cúbicos por segundo), em vazão regularizada com 90% de garantia - ou seja, em 90% do período analisado, o sistema é capaz de atender às demandas. Nesse modelo, falhas de atendimento devem ocorrer em 1 ano a cada 10 anos. 

Só estudos técnicos podem definir se uma nova intervenção compensa, no contexto das bacias hidrográficas onde ela pode ser inserida. Portanto, prospecta o cientista-chefe, é preciso buscar novas fontes de abastecimento, seja através de transposições de bacia, dessalinização da água do mar ou reuso da água. 

“Cada gota de água que a população economiza é uma gota de água que fica disponível para outro uso, para o crescimento da população ou para o uso produtivo. Essa ação de aumentar a eficiência é importante, até como sendo uma possibilidade de a gente ampliar os usos, os benefícios econômicos, associado a essa questão da água”, ressalta.

Para 2024, a Lei Orçamentária Anual (LOA) do Estado do Ceará prevê recursos para a construção de oito barragens:

  • Jucá, em Parambu
  • Lontras, em Ipueiras
  • Trairi
  • Frecheirinha
  • Poço Comprido, em Santa Quitéria
  • Berê, em Jardim
  • Oitis, em Mucambo
  • Boa Vista dos Parentes, entre Senador Pompeu e Quixeramobim

Açude em Fortaleza?

Em junho de 2017, foi inaugurada a barragem do Rio Cocó, em Fortaleza, cuja principal função é reter o excedente de água nos períodos chuvosos e fazer o controle da vazão do rio para evitar alagamentos. A barragem tem capacidade máxima de 6,4 milhões de metros cúbicos de água, que eventualmente pode servir a múltiplos usos, incluindo abastecimento.

Atualmente, a Capital é assistida pelo complexo formado pelos açudes Gavião, Riachão, Pacoti e Pacajus. Com bons volumes, esse sistema dá autonomia de abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza sem a necessidade de transferência das águas do açude Castanhão, conforme a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH).

Mas, se todo ano a Capital é banhada por fortes chuvas durante toda a quadra, não seria mais vantajoso receber mais açudes para aproveitar esse potencial? Segundo o cientista-chefe, não.

Assis ilustra:  o município de Fortaleza tem uma área de 315 km². Quando o Castanhão está cheio, a área do espelho d’água chega a 300 km². Ou seja, “a nossa área aqui (em Fortaleza) não é uma área tão significativa para captar um volume de água muito grande”. 

Legenda: Açude Pacajus, um dos reservatórios que abastecem Fortaleza
Foto: Cogerh

Uma das possibilidades, indica ele, seria fomentar uma melhor gestão de águas urbanas, envolvendo os sistemas de drenagem urbana e de esgoto, a rede de distribuição de água e a gestão de resíduos sólidos, de uma forma mais integrada, “para evitar a poluição dos nossos corpos d'água, mas também até ativar esse potencial, até utilizando água de chuva e cisternas urbanas”. 

Contudo, segundo Assis, esse é um modelo mais caro e nem responde a todas as demandas que a cidade tem. A busca por águas subterrâneas também não daria conta dessa necessidade: “a gente deixou aqui como sendo uma demanda mais estratégica, porque nosso aquífero sedimentar é relativamente pequeno. De forma complementar, ele pode suprir algumas localidades, mas fica mais como uma reserva estratégica”. 

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Planos de Bacias

Atualmente, as reservas hídricas do Ceará ultrapassaram a marca de 54,4% da capacidade total do Estado, segundo o Portal Hidrológico. Essa é a maior reserva armazenada desde outubro de 2012. O número de açudes sangrando simultaneamente também continua a aumentar, e já atingiu um total de 69 reservatórios vertendo.

O volume total é reflexo dos bons aportes nas bacias hidrográficas do Estado. As regiões do Acaraú, Coreaú, Litoral, Metropolitana, Serra da Ibiapaba, Salgado e Baixo Jaguaribe estão em situação “muito confortável”, com volumes acima de 70%. Já as regiões do Curu e Alto Jaguaribe estão na zona “confortável”, com mais de 50% das reservas.

As regiões do Médio Jaguaribe e Banabuiú seguem demandando atenção, com volumes 34,34% e 43,63%, respectivamente. Apenas a região dos Sertões de Crateús se mantém em estado “crítico”, abaixo dos 30% de volume.

Para fornecer um diagnóstico completo, um prognóstico e um planejamento das ações a serem implementadas em cada uma das 12 regiões hidrográficas do Ceará, foram lançados os Planos de Recursos Hídricos na última semana.

Segundo João Lúcio Farias, diretor de planejamento da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), os principais pontos prioritários em comum entre os planos são ações ambientais voltadas para a preservação das bacias e ações de infraestrutura, como a construção de reservatórios ou de adutoras. 

Sobre a região de Crateús, principal afetada pela baixa reserva hídrica hoje, ele afirma que o Estado tem expectativas de melhorar a oferta de água por meio do açude Fronteiras, “que vai duplicar o volume de água na bacia”. 

Para o diretor, a última seca (2012-2018) permitiu a criação de um grupo de acompanhamento e implementação das ações para a convivência com a seca; a construção de adutoras para melhorar a distribuição; a perfuração de poços para dar maior suporte aos municípios; e a implementação do projeto Malha D'água, que está na etapa de implementação do Sistema Adutor Banabuiú-Sertão Central.
 

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